A Bacia de Pelotas, na costa da região Sul do Brasil, começou a ganhar ainda mais atenção no setor de óleo e gás no final do ano passado, quando a Petrobrás adquiriu 29 blocos exploratórios na região. Mas o interesse por Pelotas não é de agora. O sucesso exploratório recente na Bacia do Rio Orange, na costa da Namíbia, traz expectativas de que Pelotas também tenha um grande potencial – tendo em vista que as duas regiões possuem evoluções geológicas parecidas. O geólogo Luciano Seixas explica que a ausência de uma camada de sal na Bacia de Orange permite a existência de bons armazéns arenosos de petróleo. Ainda segundo o especialista, a expectativa de que os grandes volumes lá descobertos podem ser igualmente encontrados com igual potencial no Sul do Brasil. “Pelotas parece ser tão espetacular como Orange. As fácies (feições) reservatórios, geradores e selo parecem as mesmas e mostram a quase sincronicidade desses fatores, principalmente das arquiteturas estruturais onde o petróleo é acumulado”, detalhou. Seixas afirma ainda que o Brasil não deve apostar apenas na Bacia da Foz do Amazonas, na Margem Equatorial, mas também em outras fronteiras, tais como Sergipe-Alagoas, Jacuípe, Camamu-Almada, Jequitinhonha e, mais ainda, em Pelotas. Para isso, segundo ele, é preciso ter mais celeridade na definição dos projetos e no licenciamento ambiental. “Desejo ver mais agilidade da Petrobrás e Ibama para definição dos prospectos de Pelotas e das demais bacias com grandes potenciais e liberação rápida da exploração. Lembrando que há correlação entre pobreza e consumo energético e de que não há progresso sem dano ambiental. O papel é mitigá-lo à exaustão, lembrando não há no Brasil registro de dano significativo causado pela exploração petrolífera”, declarou.
Como os avanços tecnológicos, incluindo a Inteligência Artificial, contribuem para nossa compreensão da geologia atualmente?
A casca da Terra, que chamamos litosfera, flutua como uma jangada num mar interior, concêntrico, chamado de astenosfera ou esfera mole, e as suas forças intestinas definem a fisiografia e geografia dos continentes, dos oceanos e dos seus diferentes tipos de pisos, que “nascem e fenecem” nos limites das placas tectônicas. Essas são deslocadas por diferentes “motores” controlados por forças convectivas, parecidas com as que movimentam as águas aquecidas e tudo que há sobre elas, como nas águas aquecidas.
Animamos a litosfera, aparentemente estática, via recursos de informática acrescidos dos avanços tecnológicos de Inteligência Artificial (IA) – que através do aprendizado de máquinas bem “alimentadas”, permitem que tenhamos uma melhor compreensão sobre os posicionamentos geográficos dos continentes através do tempo, e como estavam e estão as massas neles assentadas, ora coladas, ora dispersas como hoje elas se apresentam. Assim, compreendemos e estudamos os diferentes tipos de litosferas existentes com as cargas nelas apostas, inclusive as sedimentares que denominamos de bacias com as rochas e fluidos nelas contidos.
Como os geocientistas utilizam tecnologias modernas, como imagens sísmicas, para identificar novas fronteiras exploratórias?
Os profissionais das ciências da terra compreendem como usar tecnologia para descobrir os energéticos que movem o mundo. Assim foi com o carvão, mapeado pelo inglês William Smith no século XVIII com fins comerciais, que iniciou o uso da energia fóssil que perdurou como combustível e energético até a década de 40 do século passado, quando o petróleo passou a “reinar”.
A história rica sempre nos inebria e assim a misturamos com os fatos presentes. Com o uso das tecnologias, os geocientistas puderam comprovar que a Bacia de Orange é muito semelhante à Bacia de Pelotas, tanto em temos de evolução como em termos arquiteturais, esses muito bem visualizados nas imagens sísmicas nos seus diversos aspectos, quer sejam geração, reservatórios, selo, migração e timming. Tudo isso aponta a existência de nova e promissora fronteira exploratória brasileira.
Ao que se deve essa expectativa positiva em relação à Bacia de Pelotas?
Quando existem evaporitos ou sais que impermeabilizam os reservatórios das bacias, o petróleo gerado fica abaixo deles, só escapando da armadilha onde há janelas que permitem a sua passagem. Então ele ascende e fica armazenados nos reservatórios mais elevados, os ditos pós-sal, descobertos e produzidos agora e há muito tempo nas Bacias de Campos e Espírito Santo que, apesar dos enormes volumes, são bem inferiores aos retidos abaixo das camadas do sal (no pré-sal).
Na Bacia de Orange, na Namíbia, não há sais e, portanto, todos os bons armazéns arenosos receberam a totalidade do petróleo gerado, daí a expectativa de que os grandes volumes lá descobertos serem igualmente encontrados com igual potencial na nossa Bacia de Pelotas.
A propósito, a Petrobrás fez a aquisição de bons blocos exploratórios de Pelotas no último leilão da ANP. Para mim, faltam à Petrobras, na sua diretoria, bons estrategistas das geociências que possam definir melhor as prioridades de alocação dos investimentos em exploração. Os diretores cartesianos preferem produzir o descoberto para garantirem produção, caixa e bônus imediatos e, quiçá, distribuição de maiores montantes de dividendos. Assim agindo, comprometem o futuro da empresa pois os projetos têm maturação de sete ou mais anos, a depender do humor do dirigente de plantão e dificuldades naturais inerentes às descobertas. E como os reservatórios ora em produção declinam consonante suas características peculiares, é sempre bom ter investimentos expressivos em exploração para sempre repor ou aumentar as reservas, garantido o crescimento do País.
Quais outras fronteiras exploratórias podem ser promissoras?
Um bom exemplo é a tão falada Margem Equatorial. Ali há realmente bons prospectos e esses precisam ser perfurados. Mas prospectos representam apenas expectativas ou petróleo virtual, algo muito distinto da realidade, “a descoberta”, ou o óleo real. Em termos de visão de negócio concentrar a exploração apenas na Margem Equatorial é como colocar os ovos na mesma cesta, quando justamente há muitas cestas disponíveis nas bacias de Sergipe-Alagoas, Jacuípe, Camamu-Almada, Jequitinhonha, e mais ainda em Pelotas, ainda em fase bem primária de exploração, apesar do seu imenso potencial.
Para se ter ideia, na Bacia de Orange, “gêmea univitelina” e com simetria especular com Pelotas, tudo já está bem adiantado. Nela, a TotalEnergies já anunciou duas gigantescas descobertas, Venus-1e Mangetti-1X. A Shell fez três descobertas de óleo: Graff-1, La Rona-1, e Jonker -1, e, finalmente, a Galp anuncia a grande descoberta Mopane-1X, que em teste de formação produziu 14 mil barris por dia, vazão que poderia ser bem maior não fosse a limitação da ferramenta testadora. Os volumes expectados da descoberta são da ordem de 10 bilhões de óleo in place que podem significar 4 bilhões de barris de óleo recuperável. A propósito as ações da GALP aumentaram em cerca de 20%.
Pelotas parece ser tão espetacular como Orange. As fácies (feições) reservatórios, geradores e selo parecem as mesmas e mostram a quase sincronicidade desses fatores, principalmente das arquiteturas estruturais onde o petróleo é acumulado. Quando juntamos as duas bacias, através de muitos simuladores disponíveis, elas são complementares e, a exemplo de outras bacias também “siamesas” que quando apartadas, permanecem com a mesma presença de óleo com volumes maiores onde o maior quinhão (área) ficou impresso, após a operação de separação definida pela placa tectônica. E a área de Pelotas é ampla e com assinatura bem parecida com a de Orange, na Namíbia [conforme as imagens sísmicas exibidas acima]. Urge conhecermos o potencial desta Bacia.
O que deve ser feito para agilizar a exploração dessas áreas?
Desejo ver mais agilidade da Petrobrás e Ibama para definição dos prospectos de Pelotas e das demais bacias com grandes potenciais e liberação rápida da exploração. Lembrando que há correlação entre pobreza e consumo energético e de que não há progresso sem dano ambiental. O papel é mitigá-lo à exaustão, lembrando não há no Brasil registro de dano significativo causado pela exploração petrolífera. Esses são quase exclusivos da cabotagem feita por navios alhures e de bandeiras camufladas que despejam petróleo perto da nossa costa, e/ou perto das correntes marítimas bem mapeadas que aportam ao nosso litoral.
Também é necessário falar dos atrasos no desenvolvimento das descobertas como as de Sergipe, águas profundas, ainda não produzíveis e até não completamente delimitadas, bem diferentes das de Guiana e Suriname, já em produção e com reservatórios e aglomerações (clusters) bem definidos. Na minha opinião, o fake “Petrobrás quebrada” impediu a contratação de mais dívidas para viabilizar a produção em Sergipe. Hoje, o faturamento Petrobrás seria maior considerando a produção projetada de cerca de 200 mil boe/dia. Como bom sergipano, fico indignado, mesmo sabendo das dificuldades de assentar dutos de escoamento em taludes muito inclinados. A nossa engenharia é conhecida por superar dificuldades e falta alguém bater o martelo para fazer o necessário, que propiciará o maior desenvolvimento da antes Capitania Sergipe Del Rei. Isso sem falar do absurdo atraso da produção de Carcará ou Bacalhau após 14 anos da descoberta.
(Publicado em 25/04/2024)