Após ser vendido pela Petrobras, o Campo de Juruá virou aposta da Eneva para levar energia limpa e remota ao Norte do país com gás natural amazônico.
No coração da floresta amazônica, um campo de gás natural esquecido por anos começa a ganhar destaque como peça central de um novo plano energético. O Campo de Juruá Amazonas – localizado no município de Carauari (AM), foi por muito tempo considerado inviável para exploração comercial. Mas após ser vendido pela Petrobras à Eneva, em 2020, o ativo passou a integrar uma estratégia nacional de geração de energia descentralizada. Inspirada no sucesso do Campo de Azulão, que já abastece Roraima por meio de uma operação integrada de extração, liquefação e transporte de gás, a Eneva aposta agora em Juruá para repetir o feito.
Ainda em fase de licenciamento, o campo está sendo preparado para viabilizar um novo modelo de geração remota, com potencial de garantir energia limpa e estável para regiões historicamente isoladas do sistema elétrico brasileiro.
De ativo ocioso a peça-chave no planejamento energético: Campo de Juruá Amazonas
O Campo de Juruá foi descoberto pela Petrobras ainda na década de 1970. Localizado em área remota da Bacia do Solimões, o ativo permaneceu intocado por décadas, devido à sua distância dos grandes centros consumidores e à ausência de infraestrutura logística adequada.
Mesmo com potencial estimado de até 5 bilhões de metros cúbicos de gás, o campo nunca entrou em produção sob a gestão da Petrobras.
Isso mudou em 2020, quando a Eneva arrematou Juruá por R$ 50 milhões, como parte do processo de desinvestimento da estatal. A empresa já havia provado sua capacidade de transformar campos esquecidos em operações lucrativas e sustentáveis — como fez com o Campo de Azulão, também na Amazônia.

Com essa experiência, a Eneva incorporou Juruá ao seu plano de expansão, visando aplicar o mesmo modelo: produção de gás natural, liquefação na origem e transporte até usinas térmicas de geração elétrica em regiões isoladas.
O modelo Azulão como referência
A estratégia da Eneva ficou nacionalmente conhecida após a inauguração da UTE Jaguatirica II, em 2021. Com capacidade de 141 MW, a usina é alimentada pelo gás extraído do campo de Azulão, também localizado no Amazonas. O gás é liquefeito e transportado por caminhões em um trajeto de cerca de 1.000 km até Boa Vista (RR), onde abastece a rede elétrica local.
Essa operação foi pioneira no Brasil e mostrou que é possível levar gás natural a regiões distantes mesmo sem gasodutos — bastando integrar tecnologia, logística eficiente e planejamento regulatório.
Agora, a Eneva quer replicar esse modelo com o Campo de Juruá. A ideia é fornecer gás natural para a futura Usina Termelétrica Boa Vista II, projeto em fase inicial de desenvolvimento, mas já mapeado pelo Ministério de Minas e Energia como uma solução viável para reduzir a dependência de óleo diesel e de energia importada da Venezuela.
Avanço do licenciamento e projeções
Em abril de 2024, a Eneva protocolou no Ibama o pedido de licenciamento ambiental para exploração do Campo de Juruá. Os documentos incluem estudos técnicos, avaliação de impacto ambiental e plano de mitigação de danos, considerando a sensibilidade ecológica da região.
O projeto prevê a instalação de uma planta de liquefação de gás próximo ao campo e uma base de carregamento rodoviário para transporte do GNL (gás natural liquefeito) até Roraima. A operação seria semelhante à já utilizada em Azulão, mas com infraestrutura ajustada às particularidades logísticas do rio Juruá e do entorno florestal.

Embora o campo ainda não esteja em produção, os primeiros passos concretos já foram dados. A expectativa da empresa é iniciar a fase de implantação entre 2025 e 2026, a depender da liberação dos órgãos reguladores.
Potencial de impacto no sistema elétrico do Norte
A inclusão de Juruá no portfólio da Eneva é estratégica não apenas para a empresa, mas para todo o sistema energético do Norte brasileiro. Roraima é o único estado do país que ainda não está conectado ao Sistema Interligado Nacional (SIN). Sua energia vem majoritariamente de térmicas a diesel — caras e altamente poluentes — ou de importação instável da Venezuela.
Com a entrada em operação da UTE Jaguatirica II e o futuro reforço da UTE Boa Vista II, a expectativa é que o estado atinja autossuficiência energética nos próximos anos, com base em gás natural nacional.
Além disso, o uso de GNL transportado por rodovia mostra que é possível abastecer outras regiões remotas da Amazônia Legal sem depender de grandes obras de infraestrutura. É uma abordagem modular, escalável e adaptável às características do território.
Uma nova fronteira energética no Brasil
O caso do Campo de Juruá revela uma nova fronteira da geração de energia no Brasil: aproveitar recursos fósseis com menor impacto ambiental, de forma localizada e sustentável, para atender populações historicamente desassistidas.
Além da segurança energética, esse tipo de operação traz empregos locais, arrecadação de impostos e desenvolvimento logístico para municípios como Carauari, onde o campo está situado.
O sucesso de Azulão validou o modelo. Agora, Juruá promete ampliá-lo — e tornar a Eneva uma das líderes em soluções energéticas integradas para regiões isoladas.
O Campo de Juruá, antes esquecido pela Petrobras e considerado pouco viável, representa hoje uma das apostas mais estratégicas da Eneva para consolidar um novo modelo de geração remota no Brasil. Ainda em fase de licenciamento, o projeto avança com o respaldo da experiência bem-sucedida no campo de Azulão e com foco claro: levar gás natural brasileiro até onde ele nunca chegou — com eficiência, sustentabilidade e impacto social.
Se der certo, a operação vai não só reforçar o abastecimento energético do Norte do país, como também abrir caminho para novas iniciativas em outras áreas remotas da Amazônia e do interior brasileiro.
(Publicado em 24/06/2025)